Meu nome é Thiago

21/09/2018
Foto: Lara Morais
Foto: Lara Morais

O olhar tímido logo dá espaço a um sorriso empolgado quando pergunto sobre a infância. Thiago, 21 anos, é rápido ao lembrar com detalhe das tardes no sítio subindo em árvores e jogando bola: "Criança é diferente, né, não tem essa maldade que a gente tem". A idade próxima a das primas fez com que quase sempre as brincadeiras envolvessem apenas meninas, e

ele, agitado, nunca soube ficar quieto, gostava de correr. "Eu nunca tinha percebido que de alguma forma eu era diferente delas." Foi só mais tarde, observando as brincadeiras dos primos mais novos que notou, havia sim uma diferença: entre as crianças, ele sempre foi o moleque. "Não tinha convivência com meninos da minha idade, era só eu sendo eu mesmo."

Foina adolescência, com o início do ensino médio, que o sentimento de diferença pareceu gritar. Thiago não se sentia bem com seu próprio corpo, viu que algo não se encaixava e começou uma busca por algo que explicasse de onde vinha esse sentimento. Pesquisou por conta própria em sites e jornais, mas não encontrou algo que justificasse aquilo que nem ele sabia definir. Foi assistindo a um programa de TV que pela primeira vez ouviu a história de um

transsexual: "Ali que eu me encontrei".

Com o início de uma batalha interna para vencer seus próprios preconceitos, Thiago não contou para ninguém por temer a rejeição. "O meu maior medo era dentro do colégio, porque eu não sabia como ia ser e não teria pra onde fugir." Passou três anos pesquisando em segredo, buscando entender mais sobre o assunto, aos poucos foi se desfazendo do cabelo longo,sentindo-se mais livre

a cada corte. Reconhecendo a si mesmo e aceitando uma parte sua que sempre esteve ali.

Ao final do ensino médio, em uma conversa com uma amiga contou sobre sua transsexualidade: "Foi uma coisa que me aliviou pra caralho, quando eu decidi que sim, sou o Thiago e vou me assumir!".

O sorriso volta ao rosto quando conta da surpresa que teve ao contar para seus amigos. "Eles falaram que estavam comigo, independente de qualquer coisa." Para Thiago, não existia mais a possibilidade de fugir de quem era, e o alívio ao perceber e entender isso foi crescendo dentro dele de uma maneira que voz nenhuma conseguiria mais calar. 

Direito de me reconhecer

No dia 1º de março de 2018, o Supremo Tribunal Federal Brasileiro (STF) definiu que pessoas transsexuais e transgêneros podem mudar judicialmente seus nomes de registro sem a necessidade de uma cirurgia. Desde 2016 a inclusão do nome social junto ao nome de registro em cadastros - de programas, serviços, fichas, formulários, prontuários e entidades da administração pública federal - é lei. Porém algumas instituições não usam o nome de registro apenas para fins burocráticos, como deveria ser, gerando

constrangimento para transsexuais.

Thiago, que é graduando em direito, iniciou sua transição com o uso de hormônios durante o final do primeiro período do curso. Inicialmente seu pedido pelo uso do nome social foi aceito, mas logo depois a instituição de ensino em que ele estava matriculado enviou um e-mail informando que não aceitariam. "Eles falaram coisas horríveis e disseram que eu não ia mais poder usar o nome social la.

Precisou conviver durante meses com o desconforto público gerado ao ouvir um nome que não lhe representava sendo dirigido a ele. "Eu não tinha vontade de ir à aula, era uma tortura, ficava semanas sem ir." Devido às faltas, Thiago, que seria reprovado em muitas matérias, resolveu mudar de instituição e se certificou de que, na nova, o uso do nome social seria respeitado. Hoje, ele continua o curso em outro lugar.

Família

Na foto, Thiago, o irmão mais novo e a mãe - arquivo pessoal
Na foto, Thiago, o irmão mais novo e a mãe - arquivo pessoal

O tom de voz diminui quando pergunto da família, mas o olhar por trás dos óculos é profundo, de uma maneira que apenas alguém que mergulhou na própria alma consegue olhar. "Meus pais não aceitam! Acho que não entendem, mas eu entendo eles." O choque inicial da família diminuiu com o tempo, mas em casa ainda não o chamam de Thiago. Ele é firme quando diz que entende a posição dos pais, que se acostumaram com a ideia de uma pessoa por anos e, de repente, descobriram que, na verdade, ela é outra, e não quer obrigá-los a nada.

"Hoje é muito melhor que antes", reconhece Thiago. No início, o pai, de quem sempre foi muito próximo, não aceitava ouvir alguém chamá-lo pelo nome social, chegou a brigar muitas vezes, mas hoje as coisas se acalmaram. Cercado por uma família grande, não houve problemas para os outros se adaptarem a chamá-lo de Thiago, nem mesmo as tias mais distantes, que o viram pequeno. "A aparência ajuda, hoje elas me olham assim e acho que não conseguem me chamar por outro nome." E todos os dias a situação fica um pouco

mais confortável. A mãe ainda não o chama de Thiago, mas já não usa o nome de registro, e o pai não se incomoda quando os amigos estão por perto chamando-o pelo nome social.

Quando pergunto sobre o contato dos pais com a transsexualidade, ele me conta que, quando está por perto, não buscam informações. "Acho que para não dar o braço a torcer", desconfia, mas acredita que, longe, eles procurem se informar.

Hoje, Thiago entende que o melhor caminho para a felicidade é se reconhecer, e se redescobrir, todos os dias, ao lado de quem ele ama.  

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